quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

No café


O quente fumegar dos meus sentidos
Que flutua no aroma do café
Desperta-me para os seres desconhecidos
Que trazem profissões em rodapé.

Há dois doutores. Conversam numa mesa.
Observo os caros fatos em debate
Enquanto uma empregada de limpeza  
Toma em pé a ração com que combate.

Despedem-se, apressados, três estudantes
Outros tantos entram rápido na fila
E com expressões que nunca ouvira antes
Comprimentam uma jovem que desfila.

O mais alto dos doutores sai distraído 
E na pressa choca com a mulher-a-dias
"Eu estou aqui!" Contesta o meu amigo
"Desculpa, estava noutra. O que dizias?" 

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

O macaco que tirou um homem do nariz.

Aconteceu num zoológico da China
E continua a intrigar quem raciocina,
Depois dessa anormal tarde de janeiro
Em que um macaco decidiu, do seu nariz
Assoar uma pessoa por inteiro.

Este insólito tornou-se um chamariz
Que se espalhou para fora do país
E ouviu-se contestar em todo o lado
É que o Mundo (o do ser inteligente)
Mostrou-se totalmente indignado.

Quem não ficou - e com razão - muito contente
Foi o símio, que se vê actualmente
Em prisão preventiva  até ao outono
Porque um humano não podia conceber
(Por questões relacionadas com o poder)
Que do seu nariz, um macaco fosse dono.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

As gazelas


.

Passeio na calçada transparente
Que é palco teatral de zoologia
E persigo uma manada de gente
Durante o sol decente do meio dia

Entre outros animais que penso ver
Flutuam as gazelas aos saltinhos
Nos pés trazem agulhas de coser
Nas mãos carregam filhos - uns anjinhos

Deparo-me com este bicho estranho
Que devora uma montra ao pormenor
E diz à cria fora do rebanho
"Querida, não se afaste por favor"

A miudita, a correr, vem ter comigo
Eu, mero espectador de toda a cena
Desfaço-me em sorrisos como amigo

Enquanto pego a sua mão pequena
Dirijo-me à mamã que já lhe acena
E penso que as gazelas são um perigo

segunda-feira, 25 de julho de 2011

O calcanhar de Aquiles

Aquiles, o lenhador da avenida,
pisou uma família de pardais
e foi mordido (não se sabe muito mais)
numa parte do pé desconhecida.

Aquilo que se segue, já são histórias,
que Arco-da-Velha guarda como suas.
Aquiles nunca mais abateu ruas
"terá seguido as lides piscatórias

(...) desfiava o machado em alto mar
quando um salmão o arrastou pelo anzol."
Faleceu, baptizado ao pôr-do-sol
- há quem diga - "não fincou o calcanhar!"

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Olav bateu as botas

Foi uma tragédia tal, essa manhã,
Que faria qualquer um cair para o lado:
Eis o caso de Olav (esse titã),
Que ganhou fama e merece ser contado. 

O pobre - que não se encontra entre nós -
Como sempre, acordou com os pés de fora.
(Tradição que já vinha dos avós,
Um casal de estatura assustadora.)

Perdeu, pois, a cabeça em descontrolo, 
Ao não caber nas botas que o patrão
Lhe oferecera, como era protocolo.

E bateu-as. Duas vezes. Contra o chão.
Foi descalço para a sua profissão, 
Que ainda hoje é - e será - fazer tijolo.

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Parece

que vais a desfilar para o comboio
cheio. Avanças, altiva como as aves
raras serão as vezes em que fazes
questão de dar um pouco de paleio.

Maria vais com as outras pessoas
trabalhar. Tu, que lavas escadas com dor
de cotovelo afiado e matador,
pavoneias-te agora, devagar.

Eu cá fico para trás, a ver o plano
inteiro. Os olhares que te vão dar
troco um mês de salário para apostar
Que és imigrante num mundo estrangeiro.


quinta-feira, 12 de maio de 2011

Estava um rato no meu computador



Era um dia um rato branco,
Sem beleza nem
o encanto
De um bicho da natureza.
Preso a um computador
Pelo fio do labor,
Arrastava-se na mesa.

Sendo a fome um mal maior,
Que lhe retirava a cor,
A transparência reinava.
Branco de neve no espelho,
Viu no seu próprio aparelho
Uma maçã desenhada.

Deu-lhe uma dentada o rato.
Coitado! Mesmo sem prato,
Imaginou um manjar.
Mas, o pobre do animal...
Foi uma trinca fatal!
Que pôs o mundo a pensar.

O próprio computador,
O patrão, dono e senhor
De toda a sabedoria,
Descurou que um rato preso
A trabalhar, com desprezo
Até veneno comia.

A maçã adulterada
Não foi caso para risada
Na história do rato nu
Pois agora outro rato
Já tem um novo contrato
Que se chama Bluetooth

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Durante amanhã.

O sol riscava o céu, no azul em tela.
Corri, com energia, os vidros baços.
E para sentir a força dos seus traços,
emoldurei a janela.

Mas uma nuvem entornou - que desalento -
os retoque que fizera a uma gaivota.
Pois, sem que eu o esperasse, abriu-se a porta.
Verti o pensamento.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Um poema que é poeta

Um poema que é poeta nunca é.
Vai sendo enquanto morde na memória.
E em mais uma dentada a quem o lê,
Transforma a mesma escrita noutra história.

Penetra na retina ao mais capaz
Um poema que é poeta é como um cisco
Ser bonito ou mesmo feio, tanto faz.
Foi feito para cegar, não para ser visto.

sábado, 24 de julho de 2010

Seres-urbanos

Seres-urbanos que arrastam a carcaça pelas crassas ruas frias
e desertas,
atiram os sacos de ossos à desgraça
Deixam-se perder durante os dias
em que passeiam pelos olhos de quem passa

E quando as ideias estão despertas,
poisam os sonhos pelas montras
e seguem, carregando em olhos vítreos,
a vida que está em tantos sítios,
mas que lhes escorrega pela pontas
dos dedos.